Gustavo & Thais

sexta-feira, outubro 10, 2003
 
Aprendi cedo que a vida não tem explicação, ela simplesmente acontece. Coisas boas e coisas ruins acontecem, e nós acabamos por bem ou por mal nos habituando a elas. Não pensava em nada disso ali no meio da madrugada, caminhando pelo meio da rua só para aproveitar que não havia carros circulando àquela hora.

A cada passo em falso eu acelerava a minha queda, e sorria com isso. Cair, me estropiar todo, ouvir vértebras se partindo e costelas perfurando o tórax. Alguns passantes me apontariam o dedo, olha lá, o cara se fudeu. Eu nada poderia fazer, estaria caído. E eles teriam que preencher suas vidas passantes com a minha imagem desfocada.

Enquanto estava de pé, porém, apenas caminhava pelo meio da rua, rei. Caminhava e cantava, I'm a jumpin' jack flash, in fact it's a gas. Era o dono da rua, e sob certo ponto de vista, poder-se-ia dizer que tinha a noite nublada me esperando fingindo dormir para que eu a enchesse de ofensas, tapas e pecados veniais antes de fechar os olhos e adormecer de fato. Nada ali impediria a minha queda, nada ali me impedia de ver sua fundura ou apreciar o quão sólido era o seu término.

Tive vontade de me deitar no meio da rua e apreciar a minha amante dentro de seus lençóis de algodão. Gostava de observá-la adormecida, mesmo que fosse de mentirinha, só para que eu ficasse a velar teu silêncio enquanto o desejo de ver todos os seus olhos conjugando o meu verbo irrigava meus capilares. A rua era minha, a noite também. Só me restava a queda, que não tardaria.

Assim que deitei-me, ela se fez de incomodada e abriu os olhos, seus olhos de lua. Não me mexi, não disse uma palavra. Ela me abraçou e mergulhou em mim e se fez puta entre ônibus que passavam ímpares e um ruído de música que às vezes chegava feito ondas em maré baixa. Eu apenas fiquei olhando a noite se divertir comigo. Sem ofensas, sem agressões, sem mais nada senão nós dois e as trevas do mundo.

Quando a noite finalmente virou-se para o lado e dormiu, já era dia. Meus olhos que ardiam de sono sabiam disso melhor que eu. Retornei à calçada e esperei pelo meu ônibus. A minha queda poderia esperar mais um pouco. Eu agora precisava dormir.