Gustavo & Thais

quarta-feira, outubro 01, 2003
 
Abaixo o Capuccino
Todo ano eu reclamo do festival. A época não me traz boas recordações desde sua primeira edição. Mas sempre estou lá, vendo os filmes. Não sou radical, como uma amiga que simplesmente detesta este stress e não vai a nenhum filme.
Há muitos filmes bons, é verdade. No festival vi Corra Lola Corra, Virgens Suicidas, 11 de Setembro, um documentário sobre a Motown, Paraíso, etc.. De fato alguns merecem um sacrifício de comprar antecipado
Mas ficar feito um louco atrás do Festival, se programando com antecedência, sem poder mudar de idéia porque já está com o ingresso comprado ou ter que vendê-lo dee qualquer maneira...tudo isso é tão comercial e babaca quanto bater ponto pra ver os filmes idiotas do Cinemark em fins de semana. Vendem este produto como algo cool mas no fim das contas, não passa de uma maneira alternaltiva de ser comercial. Passam ótimos filmes, mas entra ano sai ano permanece e aumenta o fluxo de pessoas comentando nos banheiros e filas dos cinemas lotados sobre a "bela fotografia do filme russo", a genial direção de arte do drama chinês, a sensibilidade do filme inglês... Filmes que na verdade são uma merda, mas que devem apresentar uma justificativa para terem valido a pena e o sujeito se sentir inserido no evento mais muderno do ano...

domingo, setembro 28, 2003
 
Confesso que sempre preferi o silêncio à voz, qualquer voz, especialmente a minha. O silêncio é sábio e não fala asneiras, caráter que não pode ser atribuído às vozes em geral, e à minha em particular. Então, quando ela fixou seus olhos em mim e exigiu a minha voz, eu a odiei por todos os crimes cometidos no mundo naquele segundo. Eu sou péssimo em ódios, sinto vergonha de descobri-los rondando minhas intenções, mas humano que sou também odeio. Assim como amo, odeio.

Permaneci calado, não por medo, não por ódio, não por implicância infantil. Não tencionava mais falar e nada possuía ali a ser dito. Há momentos que esgotam a palavra, seja qual for a palavra. Limites. Havíamos chegado ao nosso extremo, o que anglófinos mais posudos e empetecados chamariam de point of no return. Nossos olhos se odiaram com amor naquele instante, e foi quase como a nossa primeira noite (que aliás se deu numa tarde, escondidos do mundo e suas horas, num quartinho de fundos sob parca iluminação e suspiros e orgasmos contidos). Eu te odeio. As palavras ricochetearam pela sala, o limite havia sido superado, agora era esperar pela colisão em andamento.

Não estávamos mais no amor, eu havia declarado o ódio. Pessoas morrem por conta desta bobagem, o ódio, e eu não conseguira evitá-lo mesmo assim. Brancos ainda queimam negros por conta desta bobagem, fiéis de facções rivais travam batalhas campais em memória ao ódio e até publicitários brasileiros e argentinos lucram algum tostão alimentando pequenos ódios internacionais. Quer ser alguém original? Então ame, e não odeie. Lennon foi alguém original. Gandhi foi alguém original. Eu não estava sendo. Ela continuou com os olhos em mim, mas já dava para sentir a diferença. O que eu respirava agora era também medo, o filho primogênito do ódio. Ela poderia tentar nos salvar daquele abismo, ela ainda poderia amar, o meu ódio seria ridículo, eu seria ridículo e deveria pedir desculpas. Desculpas pela minha ignorância, pela minha impaciência, por mim, pelo tempo que ela havia perdido em mim. Eu não seria perdoado, não queria e nem precisava de perdão, mas também estava um tanto quanto adentrado na etiqueta do mundo, onde se pede perdão por certos erros imperdoáveis.

Mas só um cego seria incapaz de perceber que ela não me amava, não mais, talvez nunca mais. Medo. Tensão. Punhos cerrados. Desculpa, não queria te dizer isso. Merda. Faz-se merda com mais facilidade do que se imagina nessa vida. Ah, por que deixei o meu silêncio tomar voz? Pior do que pedir desculpas, é pedir desculpas antecipadamente. Os olhos cada vez mais ferinos dela perceberam o vacilo de minhas desculpas gagas, e dominaram a situação. Eu era um homem perdido. Havia conduzido nós dois ao limite, havia transpassado o nosso limite e agora tentara covardemente voltar, mas a vida apenas segue, quem volta é o verbo. Pior, abdicara do meu silêncio, da única fortaleza que realmente poderia me abrigar. Agora, estava nu. E ela, com todas as armas na mão. Eu estava pondo tudo a perder, inclusive a minha dignidade, quase intacta até então. O que viria após minha atuação era a física, a toda ação corresponde uma reação, em igual sentido e direção oposta.

Seus olhos baixaram, as paredes da sala ficaram brevemente cinzas, o dia lá fora continuava azul. O silêncio dela vencia a cada segundo a minha respiração. E ela não me disse mais uma palavra. Apenas me dirigiu um último olhar enquanto abria a porta. Ligou a tevê e acomodou-se numa poltrona da sala, agora mais anil e sonora. Provavelmente não me viu partir, à procura de meu silêncio e de minhas palavras, que jaziam longe.