Gustavo & Thais |
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Mais Um Blog Besta que Ainda Vai Servir Pra Alguma Coisa Os Caras-Palidas que se cuidem...
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quarta-feira, setembro 03, 2003
Ela começara a gritar do nada, e eu tive um medo súbito de ser atingido fisicamente por aquela fúria verbal. Sempre detestei ver mulheres berrando. O agudo das cordas vocais delas se transformam em lâminas cegas, a imagem de seus penteados e coques se desfazendo no ar me intimida e eu quase nunca sei como escapar da queda iminente em que elas me jogam. Estava em território agora hostil, o banheiro do apartamento dela, sentado com as calças arriadas e com o esfíncter correndo em direção à minha mão. O susto que a situação me pregou elevou a minha simples mijada matinal a uma condição mais pastosa e cheirando a enxofre. Eu já deveria ter aprendido a não pisar na bola daquele jeito, mas como os tigres famintos que ela me lançava diziam em bom tom, eu não aprendo nada que preste. Obviamente a minha voz me traiu quando ela se calou e exigiu de minha boca branca e aberta algo que a convencesse de não me expulsar de sua casa seminu, atônito e sujismundo. Ela havia me alertado havia dois meses como quem não quer nada (e isto é a arma mais desleal de uma mulher, sua capacidade de dissimular os sentimentos) que se me visse outra vez sentado em seu banheiro para urinar, ela nunca mais iria querer me encostar novamente. Ora, mas desde pequeno eu faço isso, acordo e alivio a bexiga sentado, bocejante e tentando lembrar o que o resto dia reserva para a minha pessoa. Não interessa, você é o meu homem, não uma franga pra mijar sentado. E sorriu. Pois bem, guardei a quase ameaça na cachola e passei a repetí-la em voz alta sempre que acordava, onde quer que eu acordasse. Um homem sempre faz algumas concessões por mais pessoais que sejam em nome da pessoa amada, especialmente quando a pessoa amada lhe concede teto, lençóis e pecados com certa freqüência. Em minha casa, sozinho, matava a saudade de urinar sentado após acordar, pensar na vida, lembrar do futebol de sábado e olhar para o box vazio. Um pequeno prazer da vida, talvez o menor e mais gratuito deles, como arrotar Coca em voz alta e chupar a gordura da pizza dos dedos quando se vê um filme sozinho quarta de noite. Não me sentia menos homem por conta disso, vejam bem, caros componentes do júri. Por alguma razão idiota, talvez por sensatez, nunca mais quis discutir o assunto com ela. Bastava continuar de pé pelo Brasil de um modo ou de outro que tudo continuaria nos conformes. Na noite anterior, ela feliz da vida quis me pagar uns drinques. Não precisa, amor, estou já cansado, eu te acompanho bebendo uma coquinha com limão. Ela estava decidida a não se embriagar sozinha, e, senhores e senhoras do júri, e, se a carne já é flaquita, meu fígado não tem opinião própria alguma e aceita o que for preciso em nome do social. Lembro vagamente como voltamos para o apartamento dela e despencamos na sala de estar, no tapete de pêlos felpudos que ela ganhara da irmã e ali mesmo dormimos. Acordei antes, meu sono é pouco, e percebi que estava nalgum lugar que não era o meu habitual leito de sono. Um tufo de pelos me fez alertar que era a sala dela e a cabeça rançosa me recordou da bebedeira. Sentia-me o último dos derrotados e precisava aliviar a pressão em minha pélvis. Foi quando aconteceu tudo. Estava descompromissadamente sentado e quase feliz quando ela apareceu e logo começou a berrar. Após a minha súbita mudez, avançou contra mim como mil exércitos de Brancaleone de olhos rubros por um pedaço de carne, e me desviei de sua fúria insensata, num autêntico reflexo. Ela foi de algum modo com a cabeça contra a parede de azulejos e caiu já inconsciente. O resto foi registrado no boletim de ocorrência, os vizinhos testemunharam o barulho e ligaram para a polícia, que me encontrou catatônico e ela já desfalecida. Não tenho mais nada a acrescentar em minha defesa, senhores e senhoras do júri, a não ser que ela sempre foi uma excelente garota e que eu nunca intencionei magoá-la de forma alguma. Sinto-me culpado por tudo isso, aliás, independente do veredito que o Meritíssimo Senhor Juiz proferir. Dito isso, me recolhi de volta à solitária de bancada de réu que me aguardava, com o olhar tão culpado quanto meus passos. |