Gustavo & Thais

sexta-feira, maio 16, 2003
 
Estava sentado no parapeito da janela de seu pequeno apartamento com uma latinha de Fanta Diet na mão esquerda e reclamava consigo próprio do calor que fazia àquela hora da tarde. O pôr do sol nem parecia tão miserável e poluído visto daquele seu mirante privado. Então aquele sorriso de mentira que seguia automaticamente cada gole do refrigerante enlatado não era tão falsificado quanto se poderia pensar, mesmo ali poderia haver uma alegria mínima e desnecessária que fosse, mas ainda alegria.
A cidade parecia quase humana com seus homens e mulheres se multiplicando em cada ângulo que se alcançava a vista; dali, sua trajetória errônea como qualquer outra nem parecia ter sido tão cheia de buracos e desvios repentinos. A vida nunca é tão dramática vista de fora, do outro lado da janela. Mesmo vista sob o ponto de vista do tempo passado ela já toma outras formas, outras interpretações e permite a saudade. Arrotava filosoficamente o líquido gaseificado já meio morno, o instante sim é que lhe causava temor. Ter que decidir e arcar com a sua decisão. Viver, ele tinha medo de viver, era isso.
Não era medo medo, mas um certo temor. Não saberia explicar e tinha preguiça para procurar um analista, noves fora não tinha dinheiro para solicitar as consultas dele. Mas não gostava da idéia de não poder errar sem o risco de ter que fazer contornos e construir atalhos para retornar ao seu plano de fuga original. Sim, sua vida era um plano de fuga e o tempo todo ele procurava escapar – escapar de si, escapar da verdade, escapar de compromissos. Só que mesmo a fuga exigia-lhe uma decisão, então, também escapava da fuga e refugiava-se em seu próprio silêncio, que este não iria cobrar nada senão respeito.
Secou a latinha e já não pensava mais em fugas, instantes e medos. Pensava em Lorena que o queria perto dela. Tudo vai dar certo, ela garantia, você pode morar comigo, dormir na minha cama, gozar na minha carne. É só você comprar passagem e vir, eu te espero. Lorena estava esperando. Lorena era uma vida, uma promessa de vida. Deixou a latinha cair distraído, e acompanhou a queda com os olhos em Lorena o chamando. Percebeu que a latinha desaparecera nas entranhas da cidade dois minutos depois. Lorena estava a seis horas dele, menos que uma noite de sono por uma vida era um preço razoável.
O que o impediria de fazer as malas? O emprego que o pagava mal e não lhe proporcionava prazer algum? A faculdade que já havia terminado? Seus amigos de faculdade ocupados demais em viver? Lúcia com seu sexo frágil? A cidade que ainda seria morada de milhões sem ele por perto? O que estava esperando ainda? Saiu da janela e entrou no quarto para arrumar a sua mala. Para o Diabo com aquele apartamento sozinho e cheio de medos. Pegou roupa para uma semana, dois livrinhos de bolso para a viagem e um ou outro CD. O restante pediria para a mãe ou algum amigo sobrevivente o enviar pelo correio. Poderia se sustentar por uns meses sem emprego com as suas economias, mas iria procurar algo em Curitiba, para não complicar a vida de Lorena que só o queria por perto. De qualquer modo, estava decidido a prestar um concurso público qualquer que lhe desse alguma garantia.
Foi até a janela para fechá-la antes de sair. Ligou para Lorena, contou a sua decisão, sorriu, prometeu. A janela ainda aberta o esperava que ele se despedisse da cidade. Aí veio um medo que nem ele, nem eu, nem você poderíamos descrever, o que dirá explicar. E se não desse nada certo? E se Lorena fosse uma vagabunda? A mala pronta pesou e ele a descansou no chão. De que adiantava tomar decisões com aquele medo o rondando? Lorena era só outro desvio de seu plano de fuga. Tomou um atalho para chegar sem demora ao seu destino, onde teria uma resposta ao menos para tantas dúvidas e talvez um motivo para não mais sentir medo da vida. E mergulhou na vida sem medo pela primeira vez. Não teve tempo de ser feliz, seu corpo era bem mais pesado que o ar, a lata e qualquer certeza.
Lorena esperou três dias. Ao fim do segundo dia se permitiu chorar. Ele não atendia nenhuma das suas ligações, não chegava em nenhum ônibus, não era nenhum dos homens que surgiam no horizonte da sua vista. Sem notícias após três dias, tomou um banho e parou de chorar. Dois dias depois, já conseguia sorrir. Ele desaparecera nas entranhas da saudade.


 
Agora pneumonia ou Estou me sentindo pior ainda com isso tudo
Meu médico que acabou de retirar um MELANOMA do pulso não viu a mancha no meu pulmão. Muito menos o médico da merda da emergência da Sta. Maria, aquela mesmo onde a Cássia Eller morreu. Eis que estou aqui pronta pra ver o pneumologista amanhã, com o horário da análise desmarcado e a cabeça cheia de dúvidas e sonhos persecutórios. Assim como papai querido, tenho sonhos persecutórios quando não resolvo um assunto. Sonho com a mesma amiga, que por enquanto está no congelador, há dias e dias. Preciso bater um papo com meu analista sobre isso.
Voltando, pedi dispensa pro eu chefe e tive um piti de tarde por causa disso. Todas as pessoas dizendo que eu tinha que faltar ao trabalho de qualquer maneira me deu uma raiva sobrenatural. Estou com dor de cabeça até agora por causa do tal piti, eu acho. As coisas não são simples assim. Vários amigos e colegas de Ecargh na pindaíba total da falta de emprego em jornalismo, e de repente vc ouve que tem de faltar e pronto. Mesmo estando no empre,go novo há pouco mais de dois meses. demorei séculos pra arranjar outro trampo e é uma merda faltar vários dias em tão pouco tempo lá. Além do mais, ouvir este tipo de coisa quando vc já está mal e se sentindo a mais inútil das criaturas é foda.
Meu chefe entendeu, minha colega de trabalho (que não quer divulgar o blog em que ela escreve) deu uma força pra eu falar com ele e sim, eu vou faltar amanhã.
Vou ao pneumologista e espero ver meu analista.
Mente e corpo doentes.

 
TV nas fuças e no cérebro doente
Meu namorado chega de Lima no domingo e deve me encontrar gorda e doente. Há mais de dez dias só sei dormir quase o tempo todo, com exceção das horas em que estou no trabalho, em que como e em que vejo ER. Ontem nem isso. Entre 23 e 0h eu já estava pra lá de Bagdá, e nem vi o episódio direito.
Hoje tb perdi o primeiro episódio na nona temporada. Cheguei a acordar antes das 23hs, mas não tive ânimo pra acender a luz, ligar a TV e tal.
Conclusão, tive um dos sonhos mais mórbidos da minha vida, envolvendo uma belíssima igreja católica no Iraque que teria de ser destruída, porque era um lugar de execuções, torturas e bla bla bla na época do regime do Saddam. Eu achava péssimo aquilo, afinal o lugar era lindo e tal. Eis que eu resolvo dar uma olhada na igreja antes de sair e começa uma história péssima, envolvendo um bebê supostamente filho do demo, que simplesmente saía das entranhas do Romano, protagonista do tal episódio que eu perdi hoje. Se algum leitor deste blog vê ER e viu o episódio de hoje, vai entender porque faz sentido o Romano estar envolvido em um sonho carnificinógeno. Ele dizia que tinha ficado na cidade - e não era Bagdá com certeza - por causa de uma fulana que eu não sei quem é, e da criança, filho do Sabá, que eles teriam. Era uma médica, mas não sei se era alguma personagem de ER.
Que ridículo!!!!!!!!!!!


quarta-feira, maio 14, 2003
 
Anemia ou Estou me sentindo muito mal com isso tudo
Saí ainda agora pra comprar umas guloseimas pra esta noite. Abrindo a porta do prédio, mais uma vez aquele pensamento derrotista que bate nas madrugadas. Ou pior, tarde, muito tarde da noite, quando eu, sem sono, estou tentando dormir.
De uma maneira incrível eu não tenho tempo pra retomar minha monografia e ao mesmo tempo não tenho nada extremamente interessante ocupando na minha rotina. As horas são todas permeadas por uma preguiça e uma lentidão incômoda, que me fazem me sentir mal e mal cada dia que passa. Depois das 19hs tudo parece ficar melhor. A disposição muscular e mental aumentam. Mas daí tenho poucas horas para atividades produtivas, estabelecidas por um relógio mais comum aos outros. A partir de meia-noite, parece que sobro eu, a internet, as reprises dos seriados e o jornal que ainda não li. É o batante para passar quatro horas, e ir dormir quase de manhã. Mas é muito pouco pra tomar quase um terço do meu dia.
Meu dias são curtos. Tenho dormido muito. É difícil acordar, e mesmo desperta, tenho a terrível vontade de voltar pra cama, para ao menos dar uma deitadinha. E é nesta, que várias vezes eu embarco em sonos de duas ou mais de três horas no meio do dia, tipo de 12 às 15hs, de 11 às 14:30, de 18 às 21....
Então é por que tenho anemia? Bom, descobri isso no domingo, claro que tenho há mais tempo. Mas há quanto tempo, exatamente? Porque esta sensação de me arrastar pelos dias é antiga. Tantos fatos que eram possíveis razões já foram devidamente removidos da minha vida, e mesmo assim o cansaço corporal, o sono, o torpor ainda estão povoando meus dias.
Pensei, entrando no prédio, como seria se eu tivesse mantido meu ritmo de estudo e encarado uma faculdade séria, como esta. Hoje, seria um estupro ter que me submeter às anotações frenéticas em sala de aula, às matérias gigantescas para uma única prova, além do insuportável vestibular. Mas antes, uma vez o vestibular feito, eu apenas manteria e aumentaria, gradativamente um ritmo que eu já tinha comigo. But i´ve lost the rythm. E agora, mesmo sendo nova e bla bla bla, vejo todas estas tarefas acadêmicas como algo que eu já deixei pra trás há muito tempo, e do qual não tenho a mínima saudade.
Fui nerd em meu tempo escolar, mas sempre odiei estudar com todas as minhas forças.
Em todo o caso, uma vez que não consigo me desprender desta hora do dia há mais de uma década, fico imaginando como seria se ela fosse preenchida com as tarefas profissionais. Por isso não tiro este tipo de coisa da minha cabeça. Se de madrugada fosse possível freqüentar cursos de idioma, como o tal de espanhol que eu quero fazer no Instituto Brasil-Argentina, cursos de música, resolver pendências, como consertar o computador, e etc...
Mas não é possível e nunca será. Eu gosto do dia. Não sou doente como xiitas da noite, aqueles loucos que só saem de preto e se sentem ótimos acordando três horas da tarde. Eu não me sinto bem acordando três horas da tarde. Me sinto uma merda.
Queria acordar às 8 e dormir às 2 ou 3. Eventualmente dormir mais tarde, e acordar mais tarde.
Isso não é pedir muito. Mas tenho um relacionamento ruim com o meu organismo. Ele não me deixa cumprir certas metas. Por isso já são uma da manhã e eu estou aqui, gastando as horas com o o que aparentemente me parece necessário nesta hora do dia, visto que não posso fazer o que enunciei lá em cima. Escrevo no blog, falo com os amigos no ICQ, vou ver Friends daqui a pouco e a mediocridade aumenta à medida que o tempo diminui.


terça-feira, maio 13, 2003
 
Ops, foi mal aê!

Tem um filme do João Moreira Salles que trata bem do assunto, "Crônicas de Uma Guerra Particular".

O último post continha um errito: o nome do filme é, na verdade, "Notícias de Uma Guerra Paricular".


domingo, maio 11, 2003
 
O conteúdo abaixo trata-se de uma mensagem eletrônica que enviei há pouco tempo para uma lista de internet da qual faço parte. Bem, avisei.

O assunto já foi discutido aqui na lista, mas está longe de ser esgotado. Acho que todos têm alguma noção, mínima que seja, do tal clima de guerra de que se travestiu o Rio de Janeiro. Acredito que vocês leiam jornais (ao menos aos domingos) e acompanhem algum noticiário televisivo, provavelmente o JN.

Há, nestes jornais e telejornais, uma tendência a tratar o ambiente de criminalidade do Rio como guerra civil. Alguns editores mais intrépidos começam a tachar as atitudes dos marginais organizados em facções criminosas (Comando Vermelho x Terceiro Comando) de terrorismo. A cobertura da mídia para o cargo de Secretário de Segurança Pública aqui já vinha tendo tanto peso como a cobertura da nossa governadora (sic), e atualmente, vê-se mais o secretário e sua fala do que a sua superiora imediata (sic), a governadora. Entrelinhas eleitoreiras à parte, sigamos adiante.

Óbvio que a tal violência existe, seria demência negar. Já fui abordado por assaltantes nesta cidade umas meia dúzia de vezes, e moro nela desde 1985. Quase duas décadas de carioquice, malandragem e suingue me deixaram com algum sotaque (nunca tive o sotaque barriga-verde dos paranaenses, mesmo morando lá por 7 anos porque minha mãe - carioca - tinha horror a ele; e meus pais, criados no Rio, não falavam da maneira dos paranaenses) e alguma noção do espaço físico da cidade. Há locais e locais para se transitar impunemente no Rio, mas creio eu que isto haja em qualquer lugar do mundo. Afinal, é de conhecimento público que a afamada NYPD não põe seus pezinhos em certos guetos do Brooklyn por nada. [Não sei porque, mas acabei de lembrar que tinha uma boate aqui no Méier onde imperava um clima de "guerra" tosco, ela chamava-se Bronx. Nada mais justo, hehehe.]

O que eu vejo é uma opção editorial: a violência no cartão-postal do Brasil vende anúncios. Porque jornais e telejornais precisam de dinheiro para serem publicados. Então, juízes federais são trucidados no Espírito Santo, mas é no Rio que se faz urgente uma intervenção do exército - uma unidade armada treinada para extermínio fugaz, não controle presente. O narcotráfico internacional passeia pelo Norte e Centro-Oeste do país, mas é aqui no Rio que os traficantes mandam e desmandam. Pais e filhos se matam por problemas relacionados a drogas em São Paulo, mas é no Rio que a juventude anda transviada. O que ocorre aqui, também ocorre aí. Talvez seja apenas coincidência ou um dado flácido, mas eu já vi o editor do JN (o telejornal de maior audiência/influência no país) demonstrar publicamente - durante uma palestra para alunos do curso de Comunicação Social da UFRJ na época do primeiro turno das eleições passadas - não gostar nem um pouco do discurso e da pessoa que atualmente ocupa o cargo de Secretário de Segurança Pública do RJ, e que, por voltas que essa vida nos dá, é simultaneamente esposo da Governadora do nosso estado, o Rio de Janeiro.

Queima de ônibus, toque de recolher e tiroteios a céu aberto existem sim. O tal poder (que não é paralelo coisíssima nenhuma) dos traficantes existe sim. Certas esquinas da cidade dão medo sim. E algum dia a população marginalizada da cidade, que não é composta apenas de marginais tenebrosos, haveria de se cansar de apenas olhar de cima cidade sorrir e pular o carnaval sem poder desfilar sua fantasia. Talvez seja isso, eles se cansaram de apenas acompanhar a nossa rotima passivamente e resolveram descer o morro e ocupar um espaço que, sendo eles tão moradores da cidade quanto o Roberto Marinho, também lhes pertence. Tem um filme do João Moreira Salles que trata bem do assunto, "Crônicas de Uma Guerra Particular".

O que me levou a escrever estas linhas foram dois fatores: nós que moramos na cidade maravilhosa percebemos que o medo que vocês sentem é muito maior que o nosso e ontem eu fui conferir o tal "Tiros em Columbine" , que levou o Oscar de Melhor Filme Documentário este ano. O filme trata, a partir de um caso particular (o caso dos dois protótipos de psicos que surtaram e resolveram sair matando seus colegas num ginásio típico dos subúrbios americanos e se mataram depois), de como a sociedade norte-americana lida e encara a violência que a cerca. Num determinado momento do filme, aparece um provável sociólogo ou antropólogo ianque que estuda a cultura do medo em que os americanos se encontram inseridos. O dado mais curioso que ele transmite é que, nos EUA, a criminalidade em geral decresceu em 20% ao passo em que a cobertura jornalística policial foi elevada em inacreditáveis 600% nos mesmos últimos 8 anos. É algo que faz a gente pensar duas vezes antes de prestar atenção no Oscar Roberto de Godoy errando o texto toda tarde na TV Record. Ah, sim, o satânico e pervertido Marilyn Manson tem uma participação notável no filme.

Mas vocês podem se perguntar, intrigados, por que a violência do Rio de Janeiro vende mais Havaianas do que a violência do Rio Grande do Sul, se são violências idênticas. Eu respondo com outra pergunta. Quendo vocês conhecem uma pessoa e ela confessa morar no Rio, vocês têm alguma dúvida que o tal Rio é aquele de Janeiro?

Gods, amém.