Gustavo & Thais

sexta-feira, fevereiro 21, 2003
 
Ele tinha aqueles olhos de quem ainda considera o mundo um grande brinquedo de montar. Entrou no elevador de mãos dadas com a mamãe olhando aquele cara maior que ele, maior que a mãe dele e que já estava lá dentro quando as portas se abriram sozinhas, como que mágica. O cara lhe sorriu e voltou para os pensamentos obtusos dele, de seus óculos e de sua mochila. O guri olhava para a mamãe e voltava a estudar aquele cara de barba na cara.
O guri devia ser irado. Era isso o que pensava o cara. O guri com seus olhos de bandeirante e seu cabelo em cuia, no melhor estilo Ringo Starr. Aos poucos e com aquela alegria pronta em seu rosto montando seu brinquedão sempre renovado, um cara de óculos ali, um bicho engraçado na tevê, formigas, muitas formigas no meio do caminho. Se o brinquedo quebrasse, ele sempre poderia contar com a sua mamãe e seus afagos e suas canções e seu sorriso de Drão.
Já dava seus primeiros passos, e curtia sua recém-adquirida qualidade de bípede, aquele outrora tão buscado equilíbrio sobre os próprios pés. Daqui a um tanto iria já poder correr o mundo atrás de uma bola, de uma figurinha ou de uma guria. Aos poucos, sem saber, se enquadrava na rotina dos grandes, de sempre precisar apressar o passo para não perder a hora, o café, o trem, o amigo, o último capítulo e o primeiro beijo. E quem não consegue ser doido a ponto de acordar todos os dias no mesmo horário para vestir a mesma roupa e correr para chegar atrasado ao mesmo lugar onde passará ao menos oito horas ao lado das mesmas pessoas fazendo as mesmas coisas é mandado para uma gaiola qualquer, não pode bom da cabeça, deve ser também doente do pé.
Mas ali, na boa, ele não deve ter entendido porque o cara ao sair do elevador lhe sorriu outra vez, rabiscou no céu um aceno rápido e desapareceu, apressado. Não deve ainda entender porque todos se alegram com ele e brigam entre si. Porque todos se acalmavam com seus olhos de guri e corriam nervosos ao voltar para aquele imenso brinquedo de asfalto, bichos engraçados, barulhos mil e formigas, muitas formigas no meio do caminho.
Ele era só um guri, um grande e bonito guri, brincando de ser criança de mãos dadas com a mamãe. Sorte a dele.


quinta-feira, fevereiro 20, 2003
 
"Representamos o papel de herói porque somos covardes, o de santo porque somos maus. E o de assassino porque sempre existe alguém que gostaríamos de matar. Representamos, em suma, porque desde o momento em que se nasce não se faz outra coisa senão mentir."

A citação acima é de Sartre, crianças, e encontrei abrindo "Batismo de Fogo", livro de Vargas Llosa ao qual irei me dedicar por uns tempos. Mas acalmem-se, vou postar material novo em breve, não fiquem me olhando feio.