Gustavo & Thais

sábado, fevereiro 01, 2003
 
Para o Lopes (que vai ler agora, agora....)

Documento modificado em: 10 de setembro de 2001. Criado provavelmente antes. Em setembrro eu ainda voltava à tentativa estúpida de acordar uma cadáver, morto quase um ano antes.
2001, além da tentativa de ressucitar o morto, foi tempo de voltar da Bunker muito tarde, até a última microfonia ser ouvida na pista 1. Tempo de tomar café da manhã no Franz Café. Tempo de descartar a Ecargh do baralho por vários meses e aproveitar outras coisas. Tempo bom.

um buldogue no sábado de manhã
o sábado do ar fresco e frio
branquinho, lento, burro e obeso
lento como cabeça na volta pra casa
como uma manhã psicodélica às avessas
a noite não tem nada de psicodélica
é tudo mentira
melhor seria ficar brincando com o cachorrinho em casa
sem ar infectado
sem as mesmas caras
que são mais feias que a do cachorro e não tem nenhuma graça como a dele
são das pessoas que não tem graça
os transeuntes do que é chamado cool
cool é o cachorro
que ama, sem estar a par de tanta besteira
que brinca mesmo sendo gordo e lento
claro que ele tem graça
que não é uma graça somente engraçada
o cachorro é bonito
é amável
muito diferente da noite fake que anda por aí
o cachorro é branco e a noite é preta
o cachorro não precisa de artefatos de couro, dois kilos de maquiagem,
álcool e risadas falsas para se mostrar muito foda
maior do que qualquer jogo de olhares e palavras em uma pista de dança
em um bar
em uma faculdade
em qualquer lugar de convívio social
ele é só um cachorro
muito legal mesmo
legal na sua abstração
na sua feiúra
na lerdeza
no peso
e pesa muito melhor do que vocês
que são muito fracos
fracos e fracassados, porque tem um espírito consciente,
o que o bicho não tem.
uma sexta feira com um bom som e a companhia do buldogue branco
melhor do que pseudo-fantasmas da noite
fantasmas do dia também
eles não cruzam o passeio do sábado de manhã cedo
eles não sabem o prazer de ir passear com o cachorro,
simplesmente passear com o cachorro em uma manhã fresca.

sexta-feira, janeiro 31, 2003
 
E então ela resolveu aparecer no ICQ

Esbarraram-se quase sem querer pela internet e não conseguiram mais se desconectar um do outro. Uma coisa, um causo. Só se falavam ali, pelas janelinhas do ICQ, e trocavam fotos, trocavam idéias e atravessavam algumas nevascas unidos via Embratel. No início, apenas bate-papo, depois foi entrando algum conteúdo, uns floreios de linguagem, outros vícios da fala, metáforas e as noites e madrugadas foram ficando cada vez mais curtas. O tempo nunca se demora perto de uma boa companhia. Seus encontros eram quase sempre casuais, entravam na rede em horários semelhantes, como 82% dos insones que aproveitam as tarifas especiais sob a luz do luar. E renovavam-se a cada vez que seus dados se cruzavam. Distantes por algumas centenas de quilômetros, aqueciam-se mutuamente durante os invernos. Ela não entendia porque aquele cara perdia tempo falando com ela, compartilhando suas dores e desamores, e todos têm seus próprios dissabores, qual o sentido de querer saber os dos outros? Sei lá, acho que ele devia gostar bastante dela, e que bom que era assim, tanta gente querendo atacar o próximo, pelo menos eles se queriam bem de alguma forma. De certa forma, ela lhe fazia sorrir, o que jamais é pouca coisa. Ela ficava assustada, ele tropeçava em si mesmo, estariam se apaixonando? Nenhum dos dois saberia responder, o que dirá eu ou você, nobre leitor(a). Mesmo que ela duvidasse, ver a florzinha dela em sua lista de ICQ esverdeada reacendia uma nova com em seus olhos, e então o mundo inteiro poderia esquecer dele que aquela noite ainda valeria a pena. E se deixava levar, apenas feliz por ela estar ali, tão perto dele e que, bem sabemos, amor é mais ou menos o que eles viviam: tomavam conta um do outro, sem tomar posse um do outro. E não duvidem, era bonito amar, mesmo sem saber.



quarta-feira, janeiro 29, 2003
 
Não sou o Chico (Leandro Godinho)
Te prometi o mundo. Nada mais, nada menos.
O mundo, todas as cores, todas as letras
e mais alguns beijos agridoces entremeando
crimes de guerra.
E meu mundo era só promessas,
ligações perdidas, cartas mal escrivinhadas
e outros pecados veniais.
Estes versículos tentam desajeitadamente
camuflar uma vergonha e, soltos assim
no papel, em seus olhos, ante seus óculos,
de nada irão resolver, só lhes restando
esconder-se por trás da vergonha
que tenho dessas mãos que maculam
a literatura e impuras ousaram te acariciar
os lábios.

E eu, com meus lábios secos, meus dentes brancos,
meu hálito ácido e meu sorriso amarelo
desengano, rodopio, desgarro. Deixo a
chuva me levar e vou me apagando feito a
noite, um sonho engraçado, uma travessura de
fim de tarde que a memória e as rotações terrestres
e outros lábios vindouros hão de cicatrizar.
E, afinal, nada se finda, tudo se transmorfa.

O mundo, não poderei te dar, e estou sem fundos.
Talvez as luas e as estrelas e os anjos que te costurei
não desbotem com o tempo, e continuem
velando tuas noites e te protegendo dos
raios e trovoadas em madrugadas tempestuosas.
Quanto a este poema, meu bem, só posso te fazer
o favor de logo terminá-lo, pois que sou menino
tolo em letrações e quem nasce pra Leandro Godinho
nunca vai chegar a Bob Dylan.
Chore não, pequena, mas a verdade é que
eu não sou o Chico.

Para Isabela, com açúcar, com afeto.


terça-feira, janeiro 28, 2003
 
Acalanto (Chico Buarque)
Dorme minha pequena
Não vale a pena despertar

Eu vou sair
Por aí afora
Atrás da aurora
Mais serena

 
Duas demissões no intervalo de 20 dias deve ser uma espécie de recorde mundial. Sinceramente não estou com a menor vontade de acordar amanhã. Não irá me fazer a menor diferença.