Gustavo & Thais |
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sábado, janeiro 18, 2003
A cerveja já morna lá pelo fim da noite ainda fermentava em sua garganta. Por vezes a língua lhe dava algo de nojo. E nunca havia estado tão só na vida, e por certas solidões o corpo só agüenta em silêncio uma única vez. Simplesmente ainda tentava entender como algumas meras palavras a haviam destituído de força de vontade de acordar no dia seguinte. Chegara em casa lá pelas duas ou três da manhã, o samba estava animado naquela noite e rosa por rosa ela ainda preferia ser Valquíria. Nada disso importava agora. Havia um recado na secretária eletrônica, minto, havia quatro, mas só um é relevante por aqui e deixemos outros particulares da vida de Valquíria para ela, que tenta chorar sentada à beira da cama e não consegue, porque há um medo e uma incompreensão de tudo o que se passara nos últimos momentos que ela jamais iria redescobrir. A voz da mensagem era de seu querido Adriano, cheirando a Atlântico e em férias de verão com a família em João Pessoa. Adriano era mais novo que ela dois anos, terminara o primeiro ano de Direito ao passo que Valquíria trabalhava numa livraria perto de casa após trancar ad infinitum a faculdade de Física. Quase nada disso importava agora. Adriano precisava de um tempo. Tempo para quê, meu amor?, temos todo o tempo do mundo para amar. Era uma secretária eletrônica, e as secretárias eletrônicas não são seres versados no amor. E Adriano precisava de um tempo, todo o tempo juntos não bastara, todos os beijos, todos os líquidos, todos os olhos. Eram duas ou três da manhã e dentro de algumas horas Valquíria teria que estar sorrindo, simpática e sensual, pois que ninguém compraria livros duma pessoa que aparentava estar perdida no meio de tanto papel. Mas agora ela engasgava uma lágrima e procurava uma solução para aquilo tudo no meio de seus cabelos em caracóis. O tempo não importava mais agora. Suspirou enquanto ouvia as demais mensagens, tirou o maldito sutiã que lhe oprimia os seios e lembrou do dia em que menstruara pela segunda vez. Tinha treze anos, era menina demais para perder tempo colocando o modess, fora que o ônibus da escola iria passar dali a pouco e tchau, mãe, beijo, beijo. Estava tirando uma dúvida com a professora quando aconteceu, estava rubra abaixo da cintura. Alguns meninos riram, outros ficaram com nojo e as meninas ainda meninas lhe tiveram certa inveja. Foi para casa chorar no colo da mãe, não entendia nada daquilo e o sangue era sangue de verdade. Nada disso importava agora. Ele precisava de um tempo, um tempo onde ela não estaria presente. O que ela faria com o tempo dela, sem ele ali para passar as horas? Apareceu uma risada de medo em plena madrugada que se transmorfou em sombra e de sombra em brisa e de brisa numa súbita vontade de vomitar e as pernas dormentes e tropeçantes alcançaram o vaso a tempo de não empestear o assoalho do apê de cerveja morna e lasanha. Vomitava lágrimas e incertezas. A voz de Adriano se misturava com a descarga. O cheiro de seu sexo ofuscava a lâmpada fluorescente do banheiro e veio a lembrança de engolir com doçura o desejo dele, e de súbito vomitou aquela porra toda. Porra nenhuma importava agora. Acabara o amor, aquilo ali iria virar o inferno. Riu de novo porque seu irmão mais novo adorava bradar o verso para torcidas rivais em dias de jogo. Precisava de um banho e de algumas respostas, mas àquela altura da noite, a única resposta que teria de Adriano era o sono. Não estava tão perdida assim, lembrou de colocar o despertador pra tocar dentro de poucas horas. Não que aquilo importasse agora. O que importa agora é continuar respirando. Sentindo. Porque o amor sempre será como um risco de giz. quinta-feira, janeiro 16, 2003
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