Gustavo & Thais

sexta-feira, novembro 08, 2002
 
Ela dormia. Talvez sonhava, e eu ali, matutando no escuro. O bafo dela acalentava meu peito, e eu olhava para o teto tentando achar uma explicação para aquilo tudo.
Quando se acostuma a perder, qualquer sinal de alegria é visto com outros olhos. É suspeito, sorrir é suspeito. Eu já me acostumara a perder, e tê-la feliz e adormecida em meu corpo nu me era estranho. Para o perdedor, a queda não é tão feia já que o fundo do poço está próximo. E ali eu estava nas nuvens.
Era terrível a sensação de estar por cima. O sono corria de mim tal qual dinheiro foge de pobre. Aquela felicidade aparente do sono dela era apavorante, o ressonar dela em meu peito era um precipício embriagado.
Um precipício embriagado, com lobos famélicos aos seus pés torcendo pela minha queda. Eu caminhava rente ao limiar da embriaguez da queda, olhos vendados e seguro apenas por uma de suas mãos de menina. Um passo em falso, e os dois para o manjar da matilha.
Então me dei conta que ela dormia sublime em meu corpo nu. Talvez sonhasse, mas meu corpo a protegia de qualquer ameaça madrugante. Eu era a sua segurança. Eu era seu sono. Talvez fosse seu sonho. Eu. O cara que não conseguia dormir por medo do desconhecido, era a garantia da ótima noite de sono dela. Minha respiração abrandou, em poucos instantes. Ela estava ali, em mim, e não havia razão para temer o precipício nem a fome dos lobos nem a venda nos olhos. Havia ela. Havia o calor dela em meu peito, as divisas de seu sexo em meu corpo.
Entendi porque nos amávamos e nos amáramos como naquela noite. Compreendi toda a urgência daqueles dois corpos nus nas vestimentas de suas almas.
O teto escureceu e adormeci, feliz em seu corpo nu.

quinta-feira, novembro 07, 2002
 
Eu também sou o 172, uma linha que eu ignoro, aliás. Não gosto de ônibus, mas também não gosto de dirigir e não renovei minha carteira por preguiça e revolta - pra que, diabos, renovar carteira que eu não tenho carro e meu pai não liberava o dele?
Ando mais de 457, que ao menos é rápido. Não que seja bom, mas é rápido e, às vezes, eficiente. O mal de andar de ônibus é que existem os motoristas de ônibus, uma raça para a qual deveria existir um inferno particular, tal qual os motoristas de vans, os RHs, o programador da Discovery Channel e o inventor das embalagens plásticas.
E um certo cidadão que figura na minha lista de ICQ, mas deixa pra lá.

terça-feira, novembro 05, 2002
 
center>Este sou eu!
Que Linha de Ônibus é Você?

brought to you by Quizilla

Aê, Godinho, faz este teste também!!! O coletivo faz parte de nós... E pra você, tem que dar 457...
Eu nem pego muito o 172... Meu ônibus é o 415, o mais gosto na verdade. É sempre novo, é silencioso (dá pra ouvir walkman na boa), tem design interno avançado, e corta vários caminhos que deixam na maior felicidade quem ssempre andou de circulares engarrafados na Barata Ribeiro, Praia de Botafogo, etc.. Mas o 415 não!!! Ele passa no Aterro, na Toneleiros e na Lagoa!!! Genial!!
Mas nunca vou abandonar minhna ligação afetiva com os circulares São Silvestre, sobretudo o 570 e o 569. Me carregaram para e do CAp, para a Bunker, para e da praia. para e da casa dos amigos, etc.. Eles são os mais barulhentos, meio sujos, passam pelos lugares mais engarrafados, mas sempre me prestaram vários favores...

 
E mais...
Minha amiga Verônica me causou uma das maiores surpresas do fim de semana. Criou um blerght também. E exatamente pelas mesmas razões que eu e meio mundo, eu creio (mas isso a minha monografia vai elucidar melhor). He he. Ela está passando por mudanças muito legais. E seus pensamentos, fúrias, ironias e amores estão no blog apropriadamente chamado Esteio (tudo a ver com ela). Vale uma conferida, certamente. Está super atualizado, sinal de erupções mentais e emocionais constantes, o que acaba sendo característica comum dos meus amigos. Todos longe da inércia, perspicazes e perceptivos. Falta a Ana Lúcia criar o dela agora. Seria genial.
Falando em criação e representação, o André está compondo uma nova peça, que vai contar com poema do Edgar Alan Poe, mas sem aquela atmosfera de contos soturnos. Muito mais elaborado. Ele quer colocar o conto pela sonoridades das sílabas e pela maneira como as pelavras se encaixariam na peça. Acho que é isso. Com a minha imbecilidade musical e as idéias do André, facilmente acabo me perdendo no que ele quer me dizer quando falamos de música.

 
Amigos, voltei!
Depois de vários dias sem colocar nada aqui - e sem querer despistando maluquetes que abordam este blog - voltei. Passei um fim de semana tranqüilo, parte dele com algumas pessoas da Ecargh, na noite de sexta feira. Várias revelações engraçadas, rimos e nos divertimos muito. Cheguei à porta de casa mais de cinco da manhã. Tomara que algumas coisas boas da infame faculdade se prolonguem. Dia seguinte dormi com a minha pessoa. Juntinho, num puta conforto ou melhor, em um tipo de conforto que já não vivia há meses. Ele não se importa em dormir na mesma cama de solteiro. Tem espaço e ficamos confortáveis para um bom sono.
Monografia bombando, e finalmente eu entro nos eixos, depois da doidera da semana passada. Mas JC ficou pra trás, a Regina já entregou o anteprojeto e o sick, sick, sicko acho que está longe de mim definitivamente.
Falando nisso, ou melhor, não falando nisso, porque desvinculei a Tori Amos de qualquer doença, desde ontem me bateu uma vontade súbita de ouvi-la. Hoje coloquei no carro o From The Choirgirl Hotel e finalmente consegui passar de Northern Lad. Então descobri, dois anos depois (como sempre acontece) que Playboy Mummy e as outras músicas do resto do disco são formidáveis. Ela está lançando agora o disco novo, Scarlet's Walk. Nem rola de comprar, só na internet mesmo. Quero mostrar pra minha pessoa as músicas da Tori. Acho que ele vai gostar. E ela sempre foi trilha sonora pra coisas boas e descobertas interessantes.




segunda-feira, novembro 04, 2002
 
Haviam se conhecido há pouco, conversavam sem compromisso. Emília prestando atenção nos detalhes da história do Nelson, realmente não é a todo instante que podemos conversar com alguém que sobreviveu a um desastre aéreo. Ele mostra uma cicatriz resultante do pouso forçado em pleno Pantanal Mato-Grossense, uma das turbinas do C-47 entrou em pane, só ele está vivo para contar o fato.
Ele tem seus trinta anos, os últimos dez vividos ao redor do mundo como fotógrafo profissional. Não se lembra do último endereço fixo onde poderiam encontrá-lo, costumava não gastar mais de três dias em um mesmo país a não ser sob condições especiais. Era difícil ele lembrar o nome de um lugar onde ainda não estivera, suas lentes mostraram ao mundo desde crianças africanas chorando de fome até a nudez da belíssima e talentosa última estrela de Hollywood. Fizera-se um nome respeitado no ramo, tão conhecido quanto as suas desventuras. Suas imagens ousadas de guerras, conflitos tribais e golpes militares lhe valeram além de prêmios vários, telefonemas desagradáveis e duas marcas de tiros pelo corpo.
Um dia acordou em um quarto de hotel e não sentiu mais prazer algum em saber que dali a doze horas estaria noutro continente. Estava cansado de ser andarilho, de repente resolveu ter uma morada fixa, rotina, raízes, o amor de uma mulher. Voltou para o progresso de São Paulo, pediu as contas na editora onde trabalhava, alugou um apartamento perto do centro, conseguiu um emprego em uma agência de publicidade e ia tentando concluir um livro com fotos e poesias suas intitulado “Retratos Urbanos”, projeto que vinha de seus tempos de faculdade.
Breve silêncio, ele olha para o copo já pela metade, ela finge se preocupar com a possibilidade de golpe militar na Suazilândia noticiada na televisão do simpático e elegante barzinho localizado em um cantinho ainda tranqüilo da megalópole paulista.
O suspiro de Emília é quase um desabafo. Sempre fora uma garota esperta, sem muito tempo para besteirinhas sentimentalóides. E assim foi, engenharia de produção, especialização em gerenciamento industrial, estágio na Alemanha, curso de aperfeiçoamento na França, empregaço numa multinacional de química fina situada em Belo Horizonte. Em Belô conheceu seu ex-marido (cujo nome ela prefere esquecer), um professor de Química, loiro, alto, descendência sueca. Apaixonaram-se e casaram-se no intervalo de oito meses mas como ele também não era o último dos românticos, o matrimônio acabou virando mais rotina do que qualquer outro negócio em três semanas. Na quarta semana ele desapareceu de casa esquecendo mais uma vez de pôr o lixo na calçada. Saiu para as aulas na faculdade, se apaixonou por umazinha metida a tal (Andréa, 19 anos, terceiro período de letras, morena de olhos verdes, 90 de busto, 62 de cintura, 97 de quadris, 57 de coxa, coisa de cinema), passou em casa, arrumou as malas e sumiu por uma semana com seu monumento em figura de mulher. Pelo menos deixou um bilhete avisando que havia partido e que o divórcio se daria da forma que ela bem entendesse. Ela dispensou a pensão e ficou com a casa e seu único pesar foi o de não ter engravidado, teria dez filhos se pudesse. Nelson dá uma risada após a confissão. É serio, ela retruca.
Ele acende um cigarro e oferece outro à Emília, que recusa e continua a falar. O emprego continuava numa boa. Apareceram outros depois do ex, nada muito sério. E ela preferia assim, mais prático e rápido. Aos vinte e sete já tinha seis anos na empresa e há quatro anos não sabia mais do ex e sua tal.
Porém, um dia, o mundo encantado de Emília desabou. Jantando e assistindo ao telejornal, se chocou com a notícia de que uma multinacional testava seus produtos químicos em um vilarejo no sudeste asiático. As imagens eram chocantes, as pessoas, especialmente os recém-nascidos, sofriam mutações no corpo ou morriam por causa dos tóxicos. Era a empresa para a qual Emília trabalhava dedicadamente. Após a imagem marcante de um bebê que nasceu sem os olhos, ela vomitou, desligou a tevê e se trancou no quarto para chorar. Não dormiu direito durante um mês inteiro e pediu demissão no dia em que teve coragem de circular pelo pátio da indústria assassina. Agora dava aulas de Física em um cursinho de pré-vestibular, mas volta e meia acorda no meio da noite com a imagem do bebê sem os olhos e chora.
E agora, os dois estão ali, num barzinho, um sentado ao lado do outro, fingindo interesse em acompanhar a novela na tevê, ambos começando de novo. Mas deixêmo-los sossegados por ora. Já faz um bom tempo que esses dois corações não pulsam mais acesos devido ao simples toque da mão de alguém, de certa forma, muito especial. Como estão pulsando agora.